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A operação Lei Seca rende sempre muitas conversas acaloradas e muitas opiniões diferentes. Tem quem pensa que a lei é muito intransigente no país e tem quem siga a regra à risca e nem gosta de ouvir ninguém questioná-la. Porém, independente de que lado você esteja, antes de entrar em uma discussão, é necessário conhecer a lei e o que ela realmente prevê.

Por ser um assunto muito falado, muitos rumores surgem e se misturam com as informações verdadeiras. Além disso, mesmo que receba a informação certa, o cidadão não sabe interpretá-las corretamente de acordo com o contexto dos demais dispositivos legais.

O que é a Lei Seca?

Lei Seca é o nome popular atribuído aos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que penalizam o motorista que é flagrado dirigindo sob a influência de álcool. 

No Brasil, o nome Lei Seca se popularizou porque, originalmente, a lei iria proibir a venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos que margeiam as rodovias federais. Assim como a Prohibition nos EUA nos anos 1920. O que pouca gente sabe, no entanto, é que ainda existe a proibição da venda de bebidas nas margens das rodovias federais.

Outra coisa que muita gente não sabe é que ao converter a medida provisória em lei, resolveu-se eliminar a necessidade de uma quantidade mínima de álcool no sangue do motorista para a autuação, o que vale até hoje. Isso significa que qualquer quantidade de álcool no sangue é causa de punição.

A primeira lei a criar essa definição foi a Nº 11.275, que foi publicada em fevereiro de 2006. A partir dela, a conduta infracional passou a ser descrita da seguinte maneira:

 

“Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.”

A intenção era de que, eliminando a caracterização de uma quantidade mínima nas normas, qualquer vestígio de álcool encontrado seria o suficiente para penalizar o motorista. Todavia, os legisladores esqueceram de modificar em conjunto o artigo 276 do código, que dizia:

“Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.”

Ou seja, a regra que determinava os 0,6 mg de álcool por litro de sangue continuava vigente, mesmo com a nova redação da infração. Por conta disso, surgiu a Lei Nº 11.705/2008, que alterou também o artigo 276 e passou a decretar que “qualquer concentração de álcool” no organismo do condutor está sujeita a penalização legal, como dito acima.

Desde 2008, portanto, que temos a Lei Seca nos aspectos atuais (depois, a Lei Nº 12.760/2012 trouxe pequenas alterações nos artigos, mas os pontos principais das normas continuaram os mesmos).

Como funciona a Lei Seca?

Quando estão definindo o local onde a operação Lei Seca irá acontecer, as autoridades escolhem um ponto em que os motoristas não consigam avistar a blitz a uma grande distância. E quando a enxergam, não há mais a possibilidade de desvio ou onde estacionar o veículo. Enquanto uma faixa é destinada ao estacionamento dos veículos abordados, outra permanece aberta para o trânsito. E há um agente de trânsito que decide se cada condutor está autorizado a prosseguir ou se deve encostar para a abordagem.

Se o condutor for abordado, o agente vai pedir os documentos obrigatórios (carteira de habilitação e CRLV), como em qualquer blitz, convidará o motorista para soprar o bafômetro. Vale lembrar (e enfatizar) que ninguém pode ser obrigado a fazer o teste. A resolução da abordagem dependerá da opção do motorista e do resultado do bafômetro. 

O planejamento da operação Lei Seca é de responsabilidade do governo estadual. Nas maiores cidades do país, costumam haver blitz todos os dias. Em municípios de porte médio, são priorizados dias que tenham atividades noturnas mais movimentadas, como quinta-feira, sexta-feira e sábado. Já em cidades pequenas, geralmente não possuem operações de fiscalização frequentes. A não ser em ocasiões especiais, como uma data em que acontece um grande evento no qual há um alto consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, a Oktoberfest. 

Geralmente, a operação Lei Seca acontece à noite e de madrugada. É a parte do dia em que a maioria dos motoristas alcoolizados dirigem, na saída de bares, restaurantes e casas noturnas. Quanto ao local, costumam ser escolhidas avenidas com mais de uma faixa. Assim, pode ser feita uma melhor divisão da pista, uma parte sendo destinada ao estacionamento dos veículos abordados e a outra para o tráfego.

A localização das operações, é claro, não é divulgada pelas autoridades, para manter o caráter surpresa. Caso contrário, os motoristas alcoolizados poderiam planejar suas rotas para evitar a fiscalização, tornando-a inútil. Por esse mesmo motivo, os locais onde ocorrem as blitz não são sempre os mesmos. O objetivo é que os condutores convivam sempre com a possibilidade de se deparar com a operação Lei Seca, em qualquer lugar. E esse conhecimento faz com que eles não misturem álcool e direção.

Os resultados positivos da operação

Já faz mais de 10 anos que a Lei Seca foi implementada no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada pelo CPES (Centro de Pesquisa e Economia do Seguro) baseados em dados oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nesse período, a operação já preveniu a morte de aproximadamente 41 mil pessoas.

Segundo esse mesmo levantamento, apesar do número de acidentes ter aumentado, a quantidade de vítimas fatais reduziu consideravelmente — 35 mil mortes a menos. Isso comprova a eficácia da operação e também uma mudança de hábito dos motoristas. Essa estatística deve ser comemorada visto que, acidentes causados por embriaguez são considerados um dos principais causadores de invalidez e mortes prematuras no país.

Teste do bafômetro na Lei Seca

A operação Lei Seca não seria possível sem o aparelho chamado etilômetro, mais popularmente conhecido como bafômetro. De acordo com a definição do Código de Trânsito, esse aparelho é destinado a medir o teor alcoólico no ar alveolar de uma pessoa.

O ar alveolar é expirado pela boca, advindo dos alvéolos pulmonares. O bafômetro acusa a presença de álcool na baforada do motorista graças a uma célula de combustível revestida com eletrodos de platina. Esses eletrodos, quando entram em contato com as moléculas de álcool, provocam uma reação química que resulta em uma corrente elétrica. Os circuitos do aparelho incluem um medidor, que calcula a concentração de álcool nos pulmões do condutor a partir da corrente elétrica gerada.

De acordo com a Resolução Nº 432/2013 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), o modelo do bafômetro precisa ser aprovado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

Além disso, cada aparelho precisa passar por verificação metrológica inicial, eventual, em serviço e anual, feita pelo Inmetro ou órgão da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade (RBMLQ). Nessas checagens, verifica-se se os resultados do aparelho ficam dentro do erro máximo admissível pela legislação metrológica.

Para o enquadramento de um motorista que sopra o aparelho, esse erro máximo é descontado do resultado, segundo tabela que consta no anexo I da Resolução Nº 432. Considerando esse desconto, portanto, apenas resultados iguais ou superiores a 0,05 mg/L são considerados positivos para a aplicação da multa.

“Posso me recusar a soprar o bafômetro?”

Com base no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, é possível sim, se recusar a fazer o teste do bafômetro. Esse artigo, prevê o direito de permanecer calado sob o princípio da não autoincriminação. Ou seja, o direito de não criar provas contra si mesmo. Em outras, caso o condutor do veículo não esteja certo do seu nível de alcoolemia ou saiba que o resultado vai dar positivo, ele pode se recusar a fazer o teste para não se incriminar.

Mas isso é apenas na teoria. Apesar de, pela hierarquia das leis brasileiras, a constituição se sobrepor a qualquer outra norma estabelecida no país, o art. 165-A do CTB prevê punições para quem se recusa a fazer o teste do bafômetro. Essas penalidades são as mesmas para os que tem o resultado do teste positivo:

  • Suspensão da CNH por 12 meses;
  • Pagamento de multa de R$ 2.934,70 (multa de R$ 293,47 por infração gravíssima multiplicado por 10, por conta do fator multiplicador que vem junto com a natureza da infração).

Portanto, o mais recomendado é fazer o teste, caso exista a possibilidade do resultado ser baixo ou nulo. Além disso, existe uma margem de erro que pode evitar que o motorista seja multado.

Multas e penalidades

O CTB determina a natureza da infração de dirigir sob influência de álcool ou substâncias psicoativas como gravíssima. Atualmente, o valor de uma multa gravíssima é de R$ 293,47.

No entanto, não é só isso. No art. 165 do Código de Trânsito está determinado o fator multiplicador de 10 vezes o valor da multa. A finalidade é tornar a punição mais severa devido à gravidade da infração. Isso significa que o motorista que for pego pela Lei Seca receberá multa de R$ 2.934,70. E esse valor será ainda mais alto caso a infração seja repetida em menos de um ano.

Além disso, outra penalidade é a suspensão da CNH por 12 meses. Porém, a suspensão não ocorre na hora. Se for pego na Lei Seca, o motorista poderá ter a CNH apreendida no momento da autuação, pode reavê-la logo. O condutor poderá continuar dirigindo enquanto ainda houver a possibilidade de defesa.

A aplicação das penalidades é feita através de processos administrativos, acarretando na imposição da multa e na suspensão do direito de dirigir, dependendo do órgão autuador. Ainda existe a possibilidade de defesa e recurso do acusado. Caso o motorista escolha não se defender ou caso seus recursos sejam negados, então (e só então) ele será obrigado a entregar a CNH para, efetivamente, cumprir a penalidade da Lei Seca.

Durante o período de 12 meses de suspensão, se o condutor for flagrado dirigindo, terá a CNH cassada. No caso da cassação da habilitação, o motorista perderá o direito de dirigir por dois anos. Após esse período, ele deverá passar pelo processo de habilitação novamente, para ser habilitado a dirigir.

“Quanto tempo eu tenho para pagar a multa?”

Como regra geral, o período para pagamento da multa é de 30 dias após a autuação.

Caso não seja cumprido tal prazo por parte do órgão de trânsito, a autuação deve ser cancelada. Por consequência, a multa, pontuação, suspensão ou cassação decorrente daquele ato de infração também serão canceladas – art. 281, II, CTB. No entanto, para tal fato deve ser suscitado em recurso.

Vale lembrar que a data limite se baseia na expedição da notificação, e não na data do recebimento por parte do motorista. 

Em 2017, o Contran permitiu, por meio da Resolução nº 697/17, o parcelamento de multas de trânsito pelo cartão de crédito, para facilitar o pagamento. A multa pode ser parcelada em até 12 vezes

Como entrar com recurso?

O teste do bafômetro não é a única maneira de constatar a presença de álcool no organismo de um motorista. Existem outros meios de verificar se o condutor está realmente sob o efeito de substâncias alcoólicas. Se o agente não apresentar essas outras opções diferentes do bafômetro, esse é um fator que pode ser contestado no recurso.

Também deve ficar claro que a multa e a suspensão da CNH ocorrem em processos diferentes. O processo da suspensão só acontece quando após a confirmação da imposição da multa. Por isso, na prática, o processo da multa levará cerca de um ano ou mais, e depois, mais um ano ou mais, no processo de suspensão.

Para recorrer da penalidade da Lei Seca, existem três chances: a defesa prévia, o recurso em primeira instância e o recurso em segunda instância.

A defesa prévia deve ser encaminhada ao órgão autuador, dentro do prazo determinado na notificação, que tem início a partir do momento em que o motorista é notificado. Caso sua defesa seja recusada, ainda é possível recorrer em primeira instância à JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infração). O prazo para recorrer começa a contar assim que o resultado da análise de sua defesa prévia for divulgado.

Já no caso do recurso em segunda instância, este deve ser encaminhado ao CETRAN, e o prazo para enviá-lo começa a partir da divulgação do resultado da JARI. É muito importante analisar as notificações, para saber qual endereço encaminhar seus recursos e o prazo para envio.

Alguém já ganhou o recurso da Lei Seca?

Sim. Não só um, mas vários casos de recursos bem sucedidos existem.

Assim como o motorista, o agente de trânsito também é um ser humano e, por isso, é passível a erros. E nos casos de erros cometidos pelos agentes de trânsito ou outros agentes do governo, a pena que seria aplicada passa a ser cancelada.

Além disso, a possibilidade de se defender é uma garantia constitucional, presente no inciso LV do artigo 5º. Não teria sentido haver a possibilidade de recurso (em mais de uma instância, inclusive) para todos eles serem sempre negados. Iria contra a constituição.

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